Sim, é isso mesmo que você viu nas imagens. Você compra vegetais (na foto acima não há vegetais e sim abobrinhas), frutos e flores (que não aparecem nestas fotos, mas elas estavam lá!), coloca em sua sacola e paga, depositando o dinheiro na caixinha de correio da casa. Simples assim.
Esta imagem peculiar testemunhei em Lacock, uma village perto da cidade inglesa Bath, fundada no século XIV. O vilarejo não possui postes, não adianta procurar. O local mantém características de séculos passados em que a iluminação nas ruas era precária. O lugar é um charme, a construção mais famosa é a Lacock Abbey, fundada em 1232 como um convento até ser comprada pelo Sir William Sharington que, em 1539, começou a transformá-la em sua casa. Sucessivamente ela seguiu na família. No século XIX, ela torna-se propriedade de William Henry Fox Talbot (1800-1877), um pioneiro na fotografia e inventor do processo fotográfico negativo/positivo.
Essa introdução informativa é para chegar até o ponto principal que tem a ver com as fotos que tirei: a confiança no outro. Claro que estou falando sobre um local secular, o que, por si só, pode influenciar hábitos. Mesmo assim é emocionante e esperançoso testemunhar tal comportamento. O dono da casa, que colheu seus vegetais, frutos e suas flores, tem a absoluta certeza que o seu cliente irá depositar a quantia referente à sua compra na caixinha de correio.
Não há ninguém na janela espiando, não há controle sobre o que acontece com a mercadoria. Uma plena confiança no outro. A distorção de valores que existe no século XXI não alcançou aquele local. E para mostrar que não tem a ver com o argumento de ser uma village, portanto um lugar tranquilo e seguro, dou outro exemplo.
Passeando na cidade que moro, Colchester, de 100 mil habitantes, eis que vejo uma máquina de lavar para vender, com o preço escrito em um papel colado ao aparelho. Onde? Na calçada, em frente a uma casa, sem ninguém ao lado, sem ninguém espiando, mais uma vez. Está lá, você quer comprar? Toque a campainha, pague e leve sua compra que está ali ao alcance de todos. Pronto.
Dizem que os ingleses confiam no outro até um primeiro escorregão; aí, depois desse, eles talvez nunca mais confiem em você. Se isto é verdadeiro, não sei. O que vi é que eles têm fé, podem deixar mercadorias para venda em frente a suas casas sem uma cadeirinha ao lado para cuidar de seus pertences. Isso é uma homenagem à condição humana.
Não entremos nas questões culturais, nada disso. Vamos falar da beleza de confiar no outro. A confiança sem qualquer garantia, sem qualquer prova. Quantos de nossos amigos e amores recebem esse investimento? Doamos-nos e confiamos no outro e ao outro damos nossos afetos mais sinceros sem necessariamente haver certeza alguma.
Confiança no desconhecido. Penso que sabemos mais do que julgamos sobre isso. Mesmo que estejamos falando de situações distintas. Por exemplo, você não conta com a honestidade do cozinheiro do restaurante que fará a comida com os melhores temperos possíveis? Você não conta com a honestidade de um estrangeiro quando você lhe pergunta alguma palavra de seu idioma? Assim como os ingleses que aqui contam com a honestidade dos potenciais clientes que transitam nas ruas: é somente outro viés da confiança.
Assim como quando perguntamos a um desconhecido a direção de uma rua, confiamos e seguiremos onde suas palavras apontam. Nunca o vimos antes, mas ele merece nossa consideração. Ou quando confiamos no garçom quando descreve os ingredientes de um prato. Ou quando confiamos que o carteiro irá entregar a nossa correspondência.
A confiança é isso, é dar ao outro a chance de ser íntegro e a chance de nosso bom senso fazer sentido. Não precisamos vender vegetais, frutos, flores e máquina de lavar para exercitar nossa capacidade de confiar.
Amiga, obrigada pelo texto, eu tinha me esquecido que é até louvável ter confiança no outro sem ter prova alguma, e que vale a pena arriscar.
ResponderExcluirMiss you.