sábado, 16 de janeiro de 2010

Jogando Limpo



Konstantin Kamenetskiy 123RF

O psicanalista Contardo Calligaris certa vez escreveu que o casamento propicia que apareça um elemento caracteristicamente humano e interessante: acusar o outro pela não realização de nossos sonhos. Não sou tão “radical” como Calligaris. Penso que em muitas uniões isso pode não acontecer. Porém, pensando nos casais médios, faz sentido. Explico.

Conforme a ideia do psicanalista, homens e mulheres lidam com suas frustrações existenciais atribuindo ao (à) parceiro (a), a responsabilidade. Assim, o marido não se tornou um aventureiro como Indiana Jones porque casou e teve sua família. Do mesmo modo, a esposa não se tornou uma cientista reconhecida pelo mesmo motivo.

Como bem alerta Calligaris, isto não é motivo de divórcio, pelo contrário. Acusar o par pelas não concretizações de planos alivia a sua própria responsabilidade em não realizar o que se almejava. Pode não dar separação, mas concordemos que é um tanto melancólico ver marmanjos se comportando como crianças que apontam o dedo para o outro.

Penso ser um tanto triste muitos de nós sermos incapazes de lidar com nossos limites, aceitar as escolhas que fizemos e por fim, aceitar os nossos fracassos. Muitos necessitam de um bode expiatório para enfrentar a sua listinha de “querer ser” e “querer fazer” com itens não riscados.

Assumir nossas fragilidades, nossos medos e nossas incapacidades de fazer algo na vida é um ato de maturidade. Renunciamos à aventura para criarmos raízes ou optamos pela solidão para desbravar o mundo. Ambas as escolhas incluem ganhos e perdas. Neste caso, ser maduro é não culparmos “nosso irmão” por um vaso quebrado, mas sim dizer em alto e bom tom que não se pode ser tudo que se quis e que não foi possível fazer tudo que se imaginou. Contudo, somos e fazemos o que é possível dentro das oportunidades reais de vida. Isso, definitivamente, é jogar limpo com quem dividimos uma história.

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