quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Guardas de Mentirinha


Studio Porto Sabbia

Não sou míope ou mesmo cega em relação à desigualdade social em nosso país. Compreendo que o desemprego é assunto sério e que a miséria é algo que deveria ser extirpada do mundo. Apesar disso, não sou conivente com algumas situações.

Não consigo entender a permanência de flanelinhas na rua. Não consigo, por mais que tente aceitar a existência dessa categoria. Explico melhor.

Vejam bem: você estaciona o seu carro, talvez ele seja de segunda mão, talvez ainda esteja suando para pagar sua prestação, enfim, são poucas as pessoas neste país que têm carro sem ter tido certo trabalho, se não o próprio motorista, algum familiar seu. De qualquer maneira houve esforço para a aquisição do bem.

Continuando: você estacionou e se tiver sorte você vai ver o flanelinha após a batida de sua porta. Do contrário, ele pode querer te auxiliar no estacionamento. Não há coisa mais chata, salvo exceções, que alguém, cujo pedido não lhe foi feito, tenta “ajudar” você a estacionar. Afinal, você passou no teste da baliza!

Na saída do carro, ele pode dizer “tá bem cuidado” ou só fazer o sinal positivo com o dedo. Quando não assoviam para te chamar. Sem noção.

Na volta ao seu carro, o que acontece? Ah, você já sabe. Ele chega de mansinho para “ajudar” na manobra ou mostrar que o carro está são e salvo graças ao seu cuidado. Um verdadeiro Rambo do asfalto! Ou vem correndo da outra esquina, demonstrando que chegaria a tempo em caso de um invasor. Sei...

Tenho certeza que ninguém, quando criança, diz: “quando for grande quero ser flanelinha”. Sei muito bem que muitos ali não gostariam de fazer o que fazem. Que gostariam de ter uma profissão reconhecida e valorizada. Mas também não sou ingênua em pensar que todos ali sempre procuraram um trabalho de verdade.

Acho muito, mas muito triste haver “guardadores” de carros nas ruas. Mostra o quão nossa sociedade é pobre e desigual, mesmo sabendo que muitos ganham um bom dinheiro nessa lida e que assim, alimentam suas famílias.

Meu objetivo aqui é falar de quem pouco tem voz nessa história toda. Nós. Quem cara-pálida? Nós, a classe média, que quase não grita contra essa extorsão, porque se o fizer, será acusada de “insensível, egoísta, má” etc., como se não tivéssemos direitos. O que está por trás disso tudo é a culpa.

Eu tenho um carro e tenho a “obrigação” de ajudar um semelhante em situação pior. Acredito que quem pode ajudar, deve sim. Ajudar instituições de caridade, se empenhar em trabalhos voluntários que apóiem famílias de baixa renda. Agora, vamos jogar limpo.

Como é que alguém vem me vender a ideia que vai proteger meu carro, se essa pessoa não teve treinamento para isso? Isso é esmola ou extorsão. Entendam como quiserem, agora não me venham com esse papo furado que é trabalho. Se um ladrão vier roubar meu carro, em nenhum momento penso que o sujeito que “assumiu” a função de salvaguardá-lo irá interferir.

Não adianta, juro que não é teimosia minha. Eu não consigo compreender como nós aceitamos passivamente isso várias vezes por dia, por anos. E o pior de tudo: nenhuma decisão governamental é feita a respeito.

Como é que vou cair numa história dessas? Um cara de bermuda, camiseta, chinelo e boné vai proteger o meu carro, como ele afirma? Não entendo. Só faria sentido, para mim, se fôssemos ainda crianças e então tudo seria de mentirinha.

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